A dor de ser gordo

Há um sofrimento silencioso, uma solidão e uma dor em ser gordo hoje em dia. Seja pelos assentos diminutos no transporte público; seja pela dificuldade em se vestir com as roupas que “quer” e não com as que cabem, ser gordo é sinônimo de sentir-se fora do lugar.

Ser gordo significa não ter a liberdade de escolher o que quiser no prato (seja salada ou uma picanha com fritas), pois TODAS as suas escolhas serão alvo de olhares de julgamento e comentários.

Pressupõe-se assim que ou a pessoa gorda está fazendo dieta ou deveria estar fazendo dieta. Sempre. Não há respiro. Não à toa a pessoa gorda se sente tão sufocada e aprisionada pelos olhares alheios.

Ser gordo significa ouvir comentários de familiares sobre o que não se deve comer antes mesmo de fazer o prato.  É ouvir sugestões de dietas sem ter perguntado. É escutar comentários sobre o seu corpo sem você ter introduzido o assunto.

Ser gordo significa ser associado a uma pessoa carente e ser colocado num lugar de pena e dó por outras pessoas. Significa também que para você ser alvo de interesse sexual por outra pessoa, você então deve compensar o fato de ser gordo com outra característica psicológica, como, por exemplo, ser MUITO engraçado, ou uma pessoa “boazinha” que está SEMPRE disponível para todo mundo.

Ser gordo é ouvir constantemente que “você é tão bonito de rosto” como se o resto do seu corpo fosse algo repulsivo que deveria ser cortado. Você não aprendeu a vida toda que seu corpo deve ser odiado? E que ele é sinônimo de preguiça e letargia?

Você não acreditou a vida toda que a sua libido e potência sexual eram inversamente proporcionais ao tamanho do seu físico? Que você só poderia experimentar a liberdade sexual quando se adequasse ao padrão estético seguindo a máxima “emagrece que resolve”?

Como se só a condição da magreza pudesse te autorizar a entrar em contato com seu desejo. Por isso, muitas pessoas estabelecem como meta “quando eu emagrecer, vou paquerar e sair”, “quando eu emagrecer, vou transar o quanto eu quiser”.

Onde houve muita falta, compensa-se posteriormente com o excesso.

Esse é o mecanismo da restrição e compensação tão comum em quem sofre em relação ao corpo (a lógica do “tudo ou nada” que falamos em outros textos – leia O que a Psicologia tem a dizer sobre a Obesidade? e Efeito sanfona: entenda suas causas emocionais e como transformá-las).

Por isso, é tão recorrente a presença de compulsões no pós-operatório de cirurgia bariátrica numa premissa de compensar o tempo perdido. Onde houve muita falta, compensa-se posteriormente com o excesso.

a presença de compulsão não tem relação direta com o fato de ser gordo, mas com um comportamento restritivo. Quanto mais sacrifícios o sujeito faz em relação ao seu prazer e desejo, maior sua tendência a compulsões.

É interessante pensar assim que a presença de compulsão não tem relação direta com o fato de ser gordo, mas com um comportamento restritivo. Quanto mais sacrifícios o sujeito faz em relação ao seu prazer e desejo, maior sua tendência a compulsões. Quanto mais afetos são engolidos, maior a tendência de sua angústia escoar na forma de sintoma.

Ainda que no momento da ação haja uma vivência de prazer, o que os episódios de compulsão acarretam depois é um sentimento de culpa devastador. Tem-se a sensação de estar preso a uma gangorra emocionalmente intensa que assola o sujeito e faz com que ele se sinta refém de seus impulsos e emoções.

Digo isso porque já ouvi muito no consultório relatos de quem finalmente atingiu o peso desejado (seja por dieta ou por cirurgia bariátrica mesmo) e mesmo assim se sente frustrado em relação ao próprio corpo. “Não estou magra o suficiente” e “tudo bem, emagreci, mas continuo odiando meu corpo” são discursos bastante frequentes de quem perdeu peso.

Chega-se assim à conclusão que o que gera tanto sofrimento não é o peso em si, mas o que está para além dele. E aqui quero levantar importantes discussões:

  1. Por que só o corpo magro te autoriza a entrar em contato com o seu desejo?
  2. Por que ser gordo, além de uma condição física, te define enquanto sujeito?
  3. Faz sentido continuar sustentando o ódio do seu corpo que você foi ensinado a vida inteira a engolir goela abaixo?
  4. Quais as dores que esse corpo revela? Quais os traumas, os desejos engolidos, as decepções que se calaram e ficaram marcadas no físico?

Cuida-se desses afetos por meio de psicoterapia e não necessariamente emagrecendo.

  1. Que sofrimento é esse que fica depositado no corpo, mas que não tem a ver com ele e que não se resolve se você não cuida das suas emoções?
  2. Onde está você na sua história de vida?

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Nos vemos no próximo post!

2 Comentários


  1. É absolutamente invasivo e agressivo isso, né, Thais? Como se o outro tivesse tomado uma liberdade que não lhe foi oferecida. É assim que se constrói uma baixa autoestima e o sentimento de inadequação em relação ao corpo. O que quero mostrar é que tem algo muito equivocado com esse comportamento da sociedade e não com o próprio sujeito.

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