Ser reconhecida por inteiro. Para além de seu peso. É esse o sonho da pessoa gorda. Ser reconhecida na sua dor, nos seus incômodos, nos seus desejos e, principalmente, na sua potência.
Isso pode parecer óbvio para muita gente, mas não é para quem é gordo. Quando não se tem um corpo que se encaixa no padrão, a sensação é que ou você fica reduzido ao seu físico (e as pessoas só falam com você sobre esse assunto) ou então você fica invisível. Invisível no seu desejo e na sua potência.
Você parece ser marcado o tempo inteiro pelo que você não é (ou pelo que as pessoas supõem que você não seja baseado na sua aparência): não é magro, não tem tanta disposição e energia como outras pessoas, não tem tantos namorados ou tantos amigos como os outros, não consegue vestir as roupas que você quer. Você é marcado então pelo que as pessoas projetam em você sobre o seu corpo e pelo que você deveria compulsoriamente mudar.
Daí decorre a sensação de invisibilidade: ou você é aquilo que os outros esperam de você ou você não existe.
Ser gordo é só uma condição física e não nos define enquanto sujeitos. Quais seus interesses e gostos? Como está a sua vida? O que você gostaria de vestir?
Ler também: A dor de ser gordo
Há um movimento muito interessante atualmente por parte da militância gorda de desconstruir o “não pode” tão comumente associado a um corpo gordo e a lógica da adequação ao padrão para abrir espaço para ser do jeito que se é.
Nesse sentido, é usar um vestido de casamento e ter um corpo gordo ao mesmo tempo. Por que raios todo mundo tem que estar magro para casar? É fazer atividade física e ter um corpo gordo ao mesmo tempo. Quem disse que gordos não se exercitam, não cuidam da alimentação para surpresa de muitas pessoas?
Aqui, como já ressaltei em outros textos (ler: O que a Psicologia tem a dizer sobre a Obesidade), não faço uma defesa da obesidade, mas apoio a premissa que você pode ter um lugar no mundo do jeito que fizer sentido para você (se for com um corpo magro, ok, mas senão for, também tem lugar ).
E isso passa, antes de mais nada, por uma autorização interna. É você que tem que se autorizar a colocar o seu desejo e potência em cena e não as pessoas a sua volta. A busca de uma leveza interna e melhora da autoestima é atributo da nossa responsabilidade e cabe a gente mudar isso se quisermos. E não dos outros.
Defendo que você possa emagrecer (se você quiser) como um movimento de cuidado da sua saúde e não como uma lógica de adequação ao socialmente imposto (“para se encaixar no padrão e obter o amor e reconhecimento do ambiente ao seu redor”). Pois se for desse último jeito, você pode até conquistar o corpo magro, mas a sensação de peso psíquico e de insuficiência para obter a satisfação interna vão ser avassaladoras.
Quero terminar esse texto evocando um discurso muito comum das pessoas que me procuram insatisfeitas com seu peso: “me sinto um patinho feio”. É verdade que em um mundo feito para pessoas magras, ser gordo dá uma sensação enorme de desajuste e de estar fora do lugar. Mas esse é o ponto de virada.
Eu brigo por um mundo onde a diferença tenha lugar, onde a diversidade possa ter espaço e as singularidades sejam reconhecidas e acolhidas. E para deixar isso claro, quero lembrar que no final da história, o “patinho feio” vira cisne. E, sinceramente, cisnes são mais bonitos e interessantes que patos comuns. Seria uma violência querer adequá-los a banalidade do cotidiano, não é mesmo?
Que você também possa exercer sua potência de cisne e acolher sua singularidade!
Até o próximo post!
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Essa coisa do vestido de noiva é bem emblemática. Minha cunhada, ao experimentar o vestido dela, ouviu da modelista: “mas vc ainda vai emagrecer, não vai?”. Eu dei sorte com a equipe do meu vestido de casamento, foram mto bacanas, mas nas últimas duas vezes em que fui comprar vestidos de festa (ando tendo mtas festas na família!) escutei das vendedoras: “no dia vc vai usar uma calcinha alta, modeladora, não vai?”. Na primeira vez, fiquei calada, mas na segunda vez tive a coragem de responder “não, não vou, não gosto”. Foi bem libertador.
Tudo isso é mto novo pra mim. Não faz nem dois anos que eu sou gorda. Eu não sou tão grande quantas outras pessoas que conheço, mas já sinto as dificuldades na pele.
A militância gorda de Instagram e YouTube é mto importante, mas normalmente ela oferece uma imagem que é difícil de atingir. Normalmente as militantes, em busca de empoderamento estético, dedicam mtos de seus recursos à aparência, a roupas plus size bonitas (que ainda são mais caras), a acessórios, tatuagens, maquiagens, tratamentos de cabelo… Ou então, no caso das mais famosas, acabam ganhando essas coisas das marcas para mostrar em seus canais. Isso tem a sua importância, mas sinto que aumenta a pressão sobre quem não tem tantos recursos ou sobre quem simplesmente não quer investir tantos recursos nisso. Por isso, acho mto importante existirem blogs/canais como o seu, que falam sobre o ser gordo oferecendo uma reflexão, oferecendo “armas internas”, e não simplesmente uma imagem.
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Obrigada pelo comentário, Thais!
Não é mesmo fácil lidar com esses ditames da indústria da moda e da adequação do corpo da mulher aos padrões sociais. Não estar o tempo todo preocupada com dietas, tratamentos estéticos e obcecada em ser e “parecer magra” (como na ideia da cinta modeladora) é de fato esquisito no mundo que a gente vive hoje.
É como no poema da Marina Colasanti, “a gente se acostuma (a segurar a respiração para caber na cinta, a usar roupas que esmagam o nosso corpo, a usar saltos que destroçam os nossos pés, a se sentir sempre mal por ter um corpo fora do padrão), mas não devia”. Eu, pelo menos, acho que não 🙂
Eu acompanho bastante o trabalho dessas blogueiras da militância gorda e acho que elas fazem um trabalho super importante de empoderamento e “body positivity”. Mas sinto que, às vezes, elas criam um fardo muito grande não só para as espectadoras delas (como você conta no seu caso), mas para elas mesmas. Que elas têm que estar sempre lindas e bem dispostas, arrasando e super bem com o corpo e com elas próprias que também fica um peso enorme. Elas sentem que não podem decepcionar os seguidores e a vida também fica um fardo. Porque elas também trabalham com a imagem (diferente de uma musa fitness), mas é a imagem delas que também está em jogo. Na verdade, o que defendo aqui no blog é que cada um possa ser leve do jeito que se é e se respeitando. Acredito que é daí que vem a beleza!
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Tem toda razão, Deia! E que bonito isso: que cada um possa ser leve do jeito que é! 🙂
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