Há um trabalho intenso nas mídias sociais da militância gorda (como já falamos em outros artigos) que defende o combate à gordofobia, o reconhecimento da beleza que vai além do padrão estético e a autoaceitação. Nesse pacote, encontra-se uma valorização da moda plus size, makes e looks lindos para você que é mulher e homem gordo.
Isso tudo é muito bacana, mas e quando a pessoa não tem o dinheiro suficiente e não quer gastar tanto dinheiro nesses looks e na moda plus size (ainda muito cara e elitista no Brasil)?
E quando ela não se sente magra como o padrão estético atual prega, mas também não se sente plenamente representada por esses ícones do mundo gordo? Ou já chegou até a se sentir discriminada pelos representantes do mundo gordo numa premissa que ela não estava “suficientemente obesa” para fazer parte desse grupo?
Essa é a sensação de estar no limbo. É uma solidão terrível e de um desamparo enormes, pois o sentimento é que não há ecos para a própria voz. Como não se está nem na categoria “magro” e nem na categoria “gordo”, fica uma sensação de não estar em lugar nenhum.
Além disso, é como se esse grupo do “sobrepeso” sofresse todas as cobranças e críticas duríssimas que a população gorda sofre e não pudesse nem levantar essa bandeira da militância, pois essa não é exatamente sua causa.
A vontade da mulher com sobrepeso não é exatamente gritar aos quatro cantos “sou gorda, e daí?” (como fazem as militantes), mas de fazer o que tiver vontade. Ela quer colocar o bíquini, comprar roupas da loja “fast fashion”, namorar e se relacionar com quem quiser.
Mas o mundo a lembra o tempo todo que “não pode” colocar seu desejo em cena por estar acima do peso. A loja não tem o bíquini no seu tamanho; nas redes fast fashion, só existe até o 46 o que deixa seu corpo muito marcado e desconfortável; ela só é procurada pelos homens para sexo casual.
Isso vale também para os homens com sobrepeso: sentem-se extremamente frustrados por não conseguirem comprar as roupas que querem e passam a se sentir arrasados pelas seguidas rejeições amorosas.
Sua autoestima vai aos poucos sendo minada e arrasada carimbada por um “peso” que eles nem sabiam que tinham.
O que homens e mulheres com sobrepeso buscam é uma leveza e estar bem consigo próprios. Mas isso lhe parece absolutamente impossível em um mundo que dita os padrões o tempo inteiro e ou você se enquadra em determinada categoria ou você não tem lugar, dentro da lógica do “tudo ou nada” que falamos em outros artigos.
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Ou você segue o que o mundo dita a você não apenas em termos de padrão estético, mas também de padrão cultural, social, profissional, acadêmico ou você se sente fracassado. Sem meio termos. Ou 8 ou 80.
A briga desse grupo do sobrepeso com a balança é incansável e a sensação de fracasso e impotência enormes. Como sair disso?
Primeiro, fica a pergunta: você se sente na relação de “tudo ou nada” não apenas com seu corpo, mas com a vida de forma geral: ou você se sente no topo ou parece que tudo cai sobre a sua cabeça?
Você sente que as suas relações tendem a te deixar para baixo ou reforçam suas qualidades e sua singularidade?
Acredito que o controle social na atualidade passa por esse padrão estético implacável (assim nos alertava Foucault quando dizia da disciplinarização dos corpos). Acolher a própria beleza do jeito que se é (ou buscando mudar se fizer sentido para você) pode ser um primeiro passo na busca dessa leveza interna.
Desconstruir esses pesos “psíquicos” que se carrega de como se deve agir no que tange a questão estética, profissional, amorosa, entre outras, para abrir espaço para o que se quer ser. Sair do campo da obrigação para abrir espaço para o desejo.
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Quero, antes de mais nada, que você saia desse artigo se sentindo acolhida (o) na sua dor. Não é mesmo fácil se sentir sem lugar, mas que possamos então sustentar as diferenças e a singularidade. Que aqui o sobrepeso tenha voz e esse seja o nosso ato de resistência dentro dessa sociedade que aniquila subjetividade e nos massifica o tempo todo.
Até o próximo post!
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Acho que é mto importante o acolhimento dos semelhantes nesse processo. Para quem está fora dos padrões, olhar para os outros e pensar “esse sofre menos do que eu, esse não sabe o que é sofrer como eu sofro” é mto comum. Eu, por exemplo, penso isso qdo vejo mulheres que, mesmo gordas, têm a cintura mais fina que os quadris, corpo pera ou violão (pq o mais difícil de aceitar no meu novo corpo é a falta da cintura). Imagino que seja a mesma coisa quando pessoas mais gordas olham pessoas menos gordas. O processo particular de cada um é mto importante, mas se houver acolhimento e cumplicidade por parte dos semelhantes fica tudo mto mais fácil. Precisamos olhar os outros com mais amor e menos julgamento.
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Exatamente, Thais! Excelente percepção e comentário. Comumente medimos o outro pela nossa régua e se eu julgo que o outro não passa por EXATAMENTE as mesmas questões que eu, então ele não é digno de sofrimento e acolhimento. Acredito que não são apenas os padrões externos que são duros, mas os padrões internos também são igualmente implacáveis. É preciso abrir espaço para as diferenças e a diversidade no mundo, mas dentro da gente também. Há formas diferentes de existir, de sentir a dor e a beleza da vida e que possamos reconhecer essa singularidade e lidar também com as nossas ressonâncias internas de um jeito mais leve. Menos rigidez e mais espaço para existir livremente! Do jeito que for e fizer sentido.