Tenho um paciente que morou em um país diferente da esposa por 5 meses e, nesse tempo, conseguiu emagrecer mais de 20kg. Sozinho, conseguia focar na alimentação e em sua meta. A esposa mudou-se então para o mesmo país que ele e, após esse período, ele lentamente foi reganhando todo o peso perdido. A convivência estressante do cotidiano aliada às refeições compartilhadas faziam com que ele prestasse cada vez menos atenção nele mesmo e fosse se descuidando. Você já se sentiu assim? Você come mais quando está acompanhado?
Eu mesma percebo que como menos e presto mais atenção na minha alimentação e PRINCIPALMENTE na minha saciedade se estou sozinha. Quando estou acompanhada de outra pessoa, fico mais focada na conversa e comer tende a ser um processo mais automático e relegado a um segundo plano. Aí facilmente acabo passando por cima da minha sensação de saciedade e, ao final da refeição, sinto que comi demais. Fico com a sensação que “não precisava ter comido tanto”.
Por que será que funcionamos assim? Será que por sermos seres sociais, acabamos nos apoiando demasiadamente nos outros e esquecemos de nós mesmos?
Será que a nossa vontade de agradar as pessoas (ao gerar uma boa conversa, por exemplo) faz com que nos coloquemos em segundo plano e aí acabamos desrespeitando os nossos limites na relação com a comida?
O curioso é que essa imensa disponibilidade ao outro traz um enorme ressentimento a longo prazo. Ficamos esperando que o outro tenha o cuidado e atenção conosco que temos com ele e ficamos magoados e com raiva se isso não acontece. Fazemos sacrifício na relação (sem que o outro saiba, é importante dizer) e nos sentimos vitimizados senão somos valorizados e reconhecidos.
Com pena de nós mesmos, ficamos tomados por raiva e baixa autoestima: “o que tem de errado comigo que não sou interessante o suficiente para outra pessoa?”. Neste contexto, acabamos descontando essa raiva na comida na forma de compulsão.
Você consegue perceber como o excesso alimentar é só a ponta do iceberg de questões psíquicas muito maiores?
(Recomendamos os artigos Compulsão alimentar: quando a relação com a comida é uma prisão e Como tratar a compulsão alimentar para entender melhor o assunto)
Neste sentido, não basta emagrecer para tratar a compulsão, mas principalmente, como já falamos em outros artigos, perceber se você coloca a felicidade nas mãos de outras pessoas e não na sua. Aliado a um perfeccionismo, alta expectativa sobre si mesmo, ansiedade e baixa autoestima, esse é um terreno fértil para a compulsão alimentar.
Temos uma dificuldade danada de tomarmos as nossas escolhas nas nossas mãos. Por esse motivo que programas de transformação (seja da aparência, da casa ou mesmo propaganda com soluções mágicas como da Polishop) nos parecem tão sedutores. Parece-nos mágico e fácil que algo ou alguém de fora “resolva nossos problemas” sem termos que nos haver com isso.
O mesmo vale ao corpo magro: depositamos nele nossa felicidade e a resolução de todos nosso conflitos.
Por que não começar hoje a colocar de lado a ideia implacável de emagrecer para abrir espaço para a sua singularidade? Por que não cuidar mais de você mesmo ao perceber e dar valor não apenas para as suas escolhas alimentares e sua relação com a comida, mas também a seus desejos e vontades? Você é protagonista da sua vida e ninguém mais! Cabe a você a mudança que você quer!